quinta-feira, 5 de março de 2020

Crônica à Despedida


Glauco de Arruda

Se estiver à morte, só pretendo tomar tal consciência quando os sinais forem suficientemente visíveis.
Não pretendo, de forma alguma, tentar retardar ou arrogantemente alterar os planos da senhora das mortalhas.
Àqueles que me são caros e que espero também assim me considerem, peço que não lancem mão de seus bens materiais, para tentar alterar o rumo do inevitável. Não comprometam suas existências terrenas, seja por amor ou piedade, a fim de postergar um compromisso agendado e certo.

Creio ter tido o tempo necessário de existência e os recursos justos para realizar as coisas que me eram devidas. Caso não tenha alcançado algum objetivo, que eu mesmo tenha determinado ou não tenha feito coisas que em minha fértil mente porventura tivesse imaginado, não terá sido culpa do mundo, de outrem ou de falta de tempo. Maktub, diriam alguns médio-orientais.

Se não escrevi tudo e tanto quanto teria ou deveria ter escrito, talvez seja porque me perdi em meandros outros se não aqueles das letras, da filosofia, da literatura. E se percorri caminhos diversos daqueles que me indicavam os dons naturais, foi exercendo a máxima do livre arbítrio. Não posso me queixar dos resultados. Até que me foram favoráveis.

A maturidade, finalmente, serviu para me ensinar que confortos materiais, assim como tudo – situações, momentos, relações, atividades – são efêmeros. Acho que finalmente aprendi.

Peço, ainda, que não chorem por minha iminente partida, tampouco quando a mesma se concretizar. Solicito, no entanto, caso não seja pedir demais, que durante o tempo, após minha partida, em que eu ainda possa estar conservado como uma lembrança – porque essa condição também é efêmera – que leiam alguns dos poucos escritos que eu tenha deixado. Uma postagem nos infomeios; um trecho de um conto; uma crônica; uma poesia. Fazendo assim, caso exista consciência após a passagem desta vida, saibam tantos quanto o fizerem, deixar-me-ão feliz.

Em verdade, apesar de reconhecer não ter feito muito esforço para tal, ser lido sempre foi meu grande desejo nesta vida, mesmo que apenas por um tempo ou por um número limitado de pessoas. Mas acreditem, cada palavra que eu tenha lançado ao papel, sempre que lida por alguém, renovou em mim, ao longo da vida, a esperança de cumprir minha missão terrena.

Não sei se ora porto algum mal físico, que esteja me colocando diante dos últimos quilômetros ou metros do traçado desta vida, mas espero que esse pedaço que falta para caminhar possa me trazer o mínimo de dignidade ao espírito. Não me preocupo com o leito de um hospital público, mesmo que seja aqui nesta terra brasilis, com a pouca atenção de médicos ou enfermeiros, quando estiver próximo do desacordar. Oro, apenas, para que não sejam muitos os últimos suspiros e que a dor, caso esteja presente, seja plenamente suportável. De resto, a eternidade ou a inexistência eterna. Seja qual for, bem vinda!

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