quinta-feira, 5 de março de 2020

Dia da Mulher... de toda mulher

por Glauco de Arruda

Para (quase) tudo é preciso que estabeleçamos critérios, referências e acordos. Sem isso surgirão discordâncias acerca de quaisquer temas, gerando discussões intermináveis sem um ou outro lado tenha razão. Sim, pois se não há referências nem critérios previamente acordados, a fim de que se defina o que vale e o que não vale, como estabelecer com quem está a razão?

Melhor um exemplo? Perfeitamente, vamos lá:

Uma vez estabelecida e acordada socialmente a referência sobre a definição de mãe, assim explicitada: “mãe é quem cria, não quem gera” será consenso, que todas, adotivas ou biológicas – em alguns casos até “pãis” – deverão ser homenageadas e louvadas na data reservada à lembrança da figura materna. Cheguei a me deparar, no último segundo domingo de maio, com uma propaganda de ração: “Mãe de pet também é mãe! Parabéns!”

Seguindo essa linha de raciocínio, lembro que no próximo dia 8 de março comemoraremos o Dia Internacional da Mulher. Pois bem, pensando em contextos atuais é fundamental que se criem referências e critérios aceitos pela maioria das pessoas ou pelo menos, que sejam formalizadas legalmente, para que possamos parabenizar todas as mulheres, sejam biológicas ou não, segundo tais critérios referenciais. Até para acabar com discussõezinhas tolas sobre temas dispensáveis, como: mulheres trans devem ganhar parabéns, flores, lembrancinhas, beijinhos, jantares, etc., no Dia Internacional da Mulher? Uns dizem que sim, outros relutam e dizem que não.

Se mãe é mãe, tenha parido ou não, desde que dedique sua vida à criação de outro ser humano, acolha-o com carinho, amor, alimente, oriente e proteja, até que mesmo à idade adulta continue a enxergá-lo como seu bebê, então deduzo:
seja você genotípica e fenotipicamente classificada cientificamente como sendo do sexo feminino ou não, se você se comporta como mulher, se enxerga como uma, é guerreira como sempre foram e são as mulheres, que enfrentam discriminações diversas, atitudes machistas, que trabalham duramente pelo próprio sustento ou pela manutenção física e pelo equilíbrio psicológico de seu lar e de sua família, mais ainda, se você luta pelos seus direitos e ainda consegue fazer tudo isso e muito mais sem perder a sensibilidade, a capacidade de amar e a esperança de que amanhã será melhor, então, você merece meus parabéns, não a cada ano e somente no dia 8 de março, mas todos os dias do ano.

Diante disso, registro aqui meus parabéns para todas vocês mulheres, trans - mulheres, mulheres homossexuais, heterossexuais, bissexuais e que tenham todo e qualquer subtítulo que queiram conferir ao título principal: mulher.

Crônica à Despedida


Glauco de Arruda

Se estiver à morte, só pretendo tomar tal consciência quando os sinais forem suficientemente visíveis.
Não pretendo, de forma alguma, tentar retardar ou arrogantemente alterar os planos da senhora das mortalhas.
Àqueles que me são caros e que espero também assim me considerem, peço que não lancem mão de seus bens materiais, para tentar alterar o rumo do inevitável. Não comprometam suas existências terrenas, seja por amor ou piedade, a fim de postergar um compromisso agendado e certo.

Creio ter tido o tempo necessário de existência e os recursos justos para realizar as coisas que me eram devidas. Caso não tenha alcançado algum objetivo, que eu mesmo tenha determinado ou não tenha feito coisas que em minha fértil mente porventura tivesse imaginado, não terá sido culpa do mundo, de outrem ou de falta de tempo. Maktub, diriam alguns médio-orientais.

Se não escrevi tudo e tanto quanto teria ou deveria ter escrito, talvez seja porque me perdi em meandros outros se não aqueles das letras, da filosofia, da literatura. E se percorri caminhos diversos daqueles que me indicavam os dons naturais, foi exercendo a máxima do livre arbítrio. Não posso me queixar dos resultados. Até que me foram favoráveis.

A maturidade, finalmente, serviu para me ensinar que confortos materiais, assim como tudo – situações, momentos, relações, atividades – são efêmeros. Acho que finalmente aprendi.

Peço, ainda, que não chorem por minha iminente partida, tampouco quando a mesma se concretizar. Solicito, no entanto, caso não seja pedir demais, que durante o tempo, após minha partida, em que eu ainda possa estar conservado como uma lembrança – porque essa condição também é efêmera – que leiam alguns dos poucos escritos que eu tenha deixado. Uma postagem nos infomeios; um trecho de um conto; uma crônica; uma poesia. Fazendo assim, caso exista consciência após a passagem desta vida, saibam tantos quanto o fizerem, deixar-me-ão feliz.

Em verdade, apesar de reconhecer não ter feito muito esforço para tal, ser lido sempre foi meu grande desejo nesta vida, mesmo que apenas por um tempo ou por um número limitado de pessoas. Mas acreditem, cada palavra que eu tenha lançado ao papel, sempre que lida por alguém, renovou em mim, ao longo da vida, a esperança de cumprir minha missão terrena.

Não sei se ora porto algum mal físico, que esteja me colocando diante dos últimos quilômetros ou metros do traçado desta vida, mas espero que esse pedaço que falta para caminhar possa me trazer o mínimo de dignidade ao espírito. Não me preocupo com o leito de um hospital público, mesmo que seja aqui nesta terra brasilis, com a pouca atenção de médicos ou enfermeiros, quando estiver próximo do desacordar. Oro, apenas, para que não sejam muitos os últimos suspiros e que a dor, caso esteja presente, seja plenamente suportável. De resto, a eternidade ou a inexistência eterna. Seja qual for, bem vinda!